sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A decepção do pajem altruísta.

Era um belo jovem, de feição generosa e pacífica, enfeitado com um sorriso inocente e recatado, de estatura média e cabelos espiralados cor-de-palha. Estava em seu último ano de serventia para a família dos Liverotto e discutia com o Sr. e Sra. Liverotto sobre seu futuro.
- Paolo, tu deves graduar-te e seguir em frente. O trabalho que executara sempre fora com carinho e dedicação, e temos certeza que serás muito feliz, tu mereces.
-Mas, Sr. Liverotto, eu preciso cuidar de Alexandre, ele ainda precisa de minha ajuda, eu não posso abandoná-lo agora!
-Basta, Paolo. Onde já se viu? Prolongar seus serviços... Tu e Alexandre poderão continuar se falando, mas não precisas mais servir-nos. Agora vá.
Paolo, com seus olhos principiando a se afogar, correra para seu quarto e trancou-se.
-É tão bom o jovem Paolo, bom demais... - disse a Sra. Liverotto.
-Sim, é uma pena que não perceba como o mundo é cruel, e toda essa generosidade só trará frustrações em sua vida, se não for bem dosada.
-Concordo, mas agora vamos que o jantar já está sendo servido.
-Vamos.

Algumas semanas depois, Alexandre encontra Paolo, por acaso.
-Alexandre, amo Alexandre! Há quanto tempo! Como estás? Por que não damos uma volta, sim?
-Paolo, já dissemos, não sou mais teu amo, não és mais meu pajem, somos apenas amigos iguais.
-Perdoe-me, amo Ale-digo, Alexandre, acho que acostumei-me, mas diga-me, o que fazes aqui?
-Ah, Paolo só vim entregar uma carta para o D. Tomasso Strozzi. Não digas que te contei, mas as coisas ficaram um pouco bagunçadas sem ti lá em casa...
-Alexandre, amo Alexandre! Queres que eu volte? Digas que sim que eu volto. Não, não recuses, então, sua carta, deixe-me entregá-la. Obrigado amo Alexandre, vou e já volto. Por favor, amo Alexandre, sinta-te livre para ir à minha casa, estamos tendo um banquete especial, vá lá que logo vou atrás. Quero apresentar-te à Giulianna, verás como ela é linda. Tem os olhos de céu e cabelos de sol. Verás como é um anjo entre nós mortais. Como estou apaixonado, amo Alexandre, mas agora tenho de entregar essa carta, adianta-te lá, conhece Giulanna que já vou.

Chegando à casa de Paolo, Alexandre vê que não era a paixão que abrumara a visão do jovem pajem, tua amante era realmente linda. Seu rosto parecia ter sido esculpido em marfim. Teus olhos realmente eram tão cerúleos que só de vê-los, ficávamos em paz. Entretanto, Paolo não mencionara outros detalhes de Giulianna, provavelmente porque não importava-se, ao contrário de Alexandre, que achava essêncial. A beleza de Giulianna não limitava-se somente à sua face, e seu corpo parecia moldado, de tão belas e perfeitas que suas curvas eram. Alexandre tinha de tê-la, precisava tê-la. E não adiaria essa guerra, travá-la-ia agora. Ao ataque Alexandre foi.

Passado algum tempo, sem muita relutância, Giulianna já estava em seus braços, na realidade, Alexandre achara muito fácil, pouco divertido. Contudo, o proibido, o adúltero, faziam-no enlouquecer. Ele queria mais. E ela também, toda a santidade que ela vestia foi despida. A força, com prazer, por Alexandre. Os dois traíram a mesma pessoa, os dois pecaram. Os dois concordaram:
-Pobre Paolo, sua generosidade será tua ruína. É tua ruína.
Em sua própria casa, sob seu próprio teto, em sua própria cama. Os dois mostravam a ele como ser bom nunca é bom. A porta se abriu. Do outro lado, um pálido Paolo surgia. Sua boca escancarou-se, mas nada conseguia dizer. Uma cólera apossou-se dele. Toda a ira que evitara em sua vida. Todos os sentimentos ruins que negara e trancara. Tudo subiu-lhe à cabeça. Sempre o fizeram de tonto, de tolo. Sempre aproveitaram-se de seu altruísmo. Sempre disseram que tamanha generosidade era burrice. Mas ele sempre acreditou que se fosse bom, a vida seria boa com ele. Porém, a vida estava se desfazendo à sua frente, fora traído em dobro. Por duas das pessoas que ele mais estimava, com quem mais fora bom. Não mais! Nunca mais o fariam de bobo! Embebido em loucura, pegara um punhal e erguera como se fosse a lua no céu. Era a última bela noite que os dois veriam.
-Eu não aguento mais tanta desonra, não aguento mais ser o bonzinho da história!
Giulianna chorava de medo, Alexandre sorria de excitação.
-Então, venhas, mate-me! Quero ver do que és feito, Paolo!
Cortando o vento, Paolo atacou. O sangue jorrou, sua mão banhou-se de escarlate, o chão criou uma poça de lágrimas vermelhas. De joelhos, o jovem pajem chorava. Acabara de cometer um pecado mortal. Acabar de acabar com uma vida com suas próprias mãos. A culpa doía, doía muito mais que o punhal que estava cravado em teu próprio peito.
-Não aguento mais tanta desonra, não aguento mais ser o bonzinho da história, não aguento mais essa vida sofrida...
E caiu.

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