sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Casulo

Era uma tarde de primavera. Todos animais, insetos e demais coisas da natureza seguiam sua ordem natural. As abelhas saíam por aí cozinhando mel e conversando com as flores enquanto as polinizavam. Bem-te-vis cantavam alegremente uns para os outros sobre coisas que diziam ter visto mas as cobras-cegas teimavam em discordar. Tudo ia otimamente bem, a fauna e a flora andavam calmamente.
Mas foi aí que a senhora Capivara ouviu alguns gemidos vindos do topo de um Jequitibá. Chamou então seu amigo Pintassilgo e pediu que ele fosse lá em cima procurar descobrir de quem vinha aquele choro.
A esse ponto, roedores, aves e insetos já se aglomeravam em torno da frondosa árvore, tamanho o volume do choro que vinha lá de cima. Corujas e Morcegos vinham reclamar com a Capivara para que parassem com a bagunça, Grilos e Sapos amplificavam a barulheira enquanto D. Capivara se desesperava pelo animal que estava a chorar.
Nesse momento, voltou o Pintassilgo. Era uma jovem Lagarta que chorava. Reclamava que não podia sair daquele casulo e integrar-se com todos, ela disse a ele que queria mais que tudo brincar todas as tardes com os Patinhos que banhavam-se no rio e que adoraria ir a uma missa com a família Louva-a-Deus e, por isso, ficava triste.
Mas por mais que o pássaro tentasse prender a atenção dos ouvintes sempre aparecia um Morcego para praguejar sobre um Grilo que não parava de fazer barulho com seu bater de asas ou um Sapo que, repentinamente, coaxava bem alto apenas para incomodar uma Coruja que tentava dormir.
Em meio a toda essa confusão ouviu-se um grito estridente vindo da árvore, mais precisamente do galho onde estava a triste Lagarta. Todos então foram tomados por uma forte preocupação, e, por esse motivo, gritavam ainda mais, alguns torciam pelo bem da Lagarta, outros falavam que era muito sentimentalismo por parte dela, que ela apenas estava fazendo aquilo para aparecer. Neste momento começou mais uma discussão devido a essas opiniões conflitantes, mas antes que a coisa tomasse outras proporções chegou a Lagarta, ou melhor, Borboleta e tomou a atenção de todos. Zangões apaixonaram-se naquele instante e, também naquele instante, foram reprimidos por suas esposas Abelhas.
Ao ver todo esse alvoroço a Borboleta assustou-se e percebeu que a vida lá fora não era tão boa quanto ela pensava e, às vezes, é melhor ficar só em seu casulo.

Casulo

Sempre fora uma larva cinza e sem graça. Uma lagartinha que foi menosprezada toda tua vida, embora pensasse grande, embora tentasse ser alguém. Cinza sempre era a cor de tuas vestes. Cinza cor de paisagem - numa cidade grande, a paisagem sempre é cinza. Pensara por muito tempo que era uma superficialidade importar-se com o exterior, supora por muito tempo que o interior era só o que tinha valor. Dia após dia, ela tentava ser valorizada, ser alguém nessa selva. Dia após dia, ela falhava, não era ninguém na floresta.
Até que um dia, caminhando sem rumo, pensando em como ser ouvida, viu a crisálida mais linda de sua vida. Era completamente dourada, cheia de adornos, no mínimo, excêntricos. Com babados jogados aqui e ali. Exageradamente belo, cada detalhe tinha um diferencial, era cravada de rubis flamejantes. O brilho que a crisálida emanava chamava, convidava, implorava pela lagarta. "Venha até mim, dócil larva, venha ser feliz, venha ser alguém", entoava ela. Caminhou até a bela pupa com passos angelicais, todo e qualquer movimento era coberto d'uma graciosidade ímpar. Entrara, enfim no belo casulo. A metamorfose tivera início. Começara a mudar.
Duas semanas depois, crescendo e amadurecendo dentro da aurélia dourada. Pensando e planejando dentro da pupa d'ouro. Ela julgava-se pronta para sair, para aparecer para o mundo. E mais que julgar a si mesma, julgava o mundo pronto para ela, ou melhor, o mundo precisava dela. Com a doçura d'uma mãe que descobre um filho n'uma manhã ensolarada para o desjejum, ela tirou a fina seda que a protegia. Como uma noiva que caminha para o altar, ela deu um passo para fora do casulo côr-de-sol. Olhara em volta, como quem acaba de acordar tentando entendenr onde está e sacudiu-se graciosamente para o sangue correr vivo em suas veias. A inocente e desprotegida larva tinha mudado. Deixara de ser alguém sem cor, desinteressante. Agora não, agora tornara-se uma linda e imponente borboleta. Com enormes asas verdes com detalhes púrpuras. Adornadas com pequenas esferas prateadas em cada ponta. Seu corpo era lânguido e comprido, dividido em quatro por horizontais faixas negras que constratavam sua pele creme. Carregava um sorriso sublime e amável, completo por um olhar sedutor e penetrante. Tinha duas antenas compridas e comportadas com um pequeno enfeite anil na ponta.
Saiu da crisálida para o mundo. Da sarjeta para os holofotes. Estava preparada para a fama, para os paparazzi. Alguns podiam acha-la um monstro, outros não conseguiam ler seu rosto. Ela era tudo isso e muito mais, mudaria o mundo, abalaria o mundo. Era esse teu destino. Ela nascera assim.