sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Na chuva.

Se alguém estivesse naquela rua paulistana uma hora antes, jamais imaginaria o que viria a acontecer um tempo depois. Estava ensolarado, fazia um calor que para alguns seria até irritante. Todos estavam alegres, embora o calor enchesse-os de fadiga ainda havia espaço para diversão.
Passou-se finalmente a tal hora e chegou um rapaz extremamente melancólico. Tinha o semblante soturno, era claramente uma pessoa miserável e parecia ser circundado por tempestades, por uma chuva.
E ficava aí o garoto na chuva (ou sob a chuva, dependerá apenas do linguista), ninguém se importava com ele, ele não se importava com ninguém. Mas ele teimava em não sair dali, o garoto da chuva (ou o garoto que estava na chuva, dessa vez depende de qual preferires), uns diziam que ele devia esperar por alguém, por uma tal garota que deixou-o daquele jeito, por uma garota que deixou sua vida chuvosa, outros diziam que ele não tinha para onde ir. Não sei com qual das duas opções fico, visto que não sou um daqueles narradores oniscientes.
Semanas depois da chegada do chuvoso mancebo as pessoas do bairro resolveram que alguém deveria falar com ele, os comerciantes reclamavam que o constante aguaceiro repelia a freguesia, as mães temiam que suas crianças pegassem um resfriado se brincassem na rua e as crianças queriam apenas brincar na chuva. Depois de longas discussões elegeram um representante para ir falar com o pluvial moço, ou melhor, uma representante. Era uma garota de apenas 16 anos, de pele, cabelos e olhos de um lindo moreno mate, não parecia de muita liderança, todavia, ela sentia que havia algo nele, que ela poderia ajudá-lo.
-Oi. - disse a mocinha sem muita segurança - Oi? Moço? - e esperava o imóvel rapaz responder - Moço? Estás a me ouvir?
O rapaz reagiu, ficou com um semblante de dúvida e disse:
-"Estás"? Como assim um tratamento em segunda pessoa? Ninguém fala assim aqui. - enquanto ele falava era perceptível um sotaque lusitano.
-Ah, é que eu gosto destes modos mais rebuscados de falar e adoro Portugal. Falando nisso, notei em ti um sotaque lisbonense, és português?
-Sou sim.
-E outra coisa, por que choras?
-Sinto falta de algo.
-De uma rapariga?
-Não, de Lisboa, choro porque vim para essa cidade procurar uma outra vida e só encontrei tristeza. Mas logo logo eu paro de chorar, estarei de partida em um mês.
-Posso ir contigo? - disse a jovem cheia de esperança.
O resto eu não ouvi, só os vi indo embora, mas sem a chuva. Um amigo meu disse que os viu em Lisboa, às margens do Tejo. E o dia era belíssimo.

Na chuva.

Enquanto caminhava rumo ao trem, embaixo desse sol escaldante, é que ela veio. Forte e rápida a chuva caiu torrencial do céu. Um grupo se escondeu embaixo do guarda-chuva de um deles. Alguns outros protegeram-se com suas blusas ou com jornais. Boa parte correu da água. Um grupo que não tinha pressa se escondeu embaixo do viaduto, para esperar a chuva passar. Alguns praguejavam, outros calavam. Mas não vi ninguém, nem aqui nem ali, nem quem vinha nem quem ia, nem homens nem mulheres, adultos ou crianças; ninguém, além de mim, parou e sorriu para o céu. De braços abertos e olhos cerrados, sentindo a água me purificar, sentindo a paz me encharcar.
Na chuva, lá estava eu, sorrindo em paz, saboreando a calma.