sexta-feira, 29 de abril de 2011

O espantalho.

Ele era um espantalho, fora feito, como todos os outros espantalhos, de trapos e preenchido com palha. Usava roupas velhas e surradas do dono da plantação de arroz que protegia. Era um espantalho como qualquer outro, levava um chapéu de palha na cabeça, para algumas crianças da região possuía até um aspecto assustador, contavam lendas sobre ele, de que ele criava vida à noite e atacaria as crianças bagunceiras.
Mas na verdade ele era um bom espantalho, mesmo não sendo lá tão feliz, e era completamente inofensivo para as crianças. Ele sorria o tempo todo, não de alegria, mas apenas porque haviam costurado seu rosto daquela forma. Ele, como já disse antes, não era feliz, e isso por causa de sua eterna solidão, visto que tanto pássaros quanto crianças o temiam e os adultos o viam apenas como um objecto para espantar pássaros - coisa que de fato ele era.
Assim continuava o triste espantalho, sempre solitário em meio à sua plantação - pois, com toda a solidão, aquele arroz era tudo que tinha - até que um dia, durante um cochilo seu em uma tarde, acordou com um lindo canto. O espantalho ficou então enamorado pela linda voz, e olhou para todos os lados à procura da cantora. Era uma formidável Tiê-sangue, de, apesar do nome, bela plumagem bege. É claro que tudo isso aos olhos do nosso enamorado espantalho, porque, mesmo com um certo charme, ela não era a Tiê-sangue mais bela do mundo.
Ao primeiro momento, o espantalho ficou completamente embasbacado pela doce Tiê, mas logo recobrou os sentidos e foi cumprir sua função.
- Saia daqui! Deixe minha plantação em paz!
A Tiê assustou-se, parando de cantar e depois recuando.
- Desculpe-me, senhor espantalho, não tenho a intenção de destruir sua plantação.
- Mesmo se não tivesse, pode ir saindo! - O espantalho mostrava-se bravo, mas era apenas de sua costurada boca para fora.
- Perdão, realmente, eu apenas me perdi de meu bando, você não viu um bando de outros Tiê-sangues indo passando por aqui?
- Oh, desculpe-me então, eles foram para o sul, se não me falha a memória.
- Muito, obrigado, senhor espantalho. Até mais. - disse a Tiê fazendo algo semelhante a um sorriso com seu bico.
O espantalho nada mais disse, apenas manteve seu tradicional sorriso na cara, mas dessa vez era sincero. Ela foi embora a cantar, e ele nunca mais esqueceu aquela maravilhosa voz. Até hoje ele se lembra dela, por mais que ela tenha partido e nunca mais vá voltar, para ela ele foi apenas um espantalho qualquer, mas para ele ela foi o único ser que o tratou como mais que algo feito para assustar, ela foi o único ser que o respeitou, e disso ele nunca vai esquecer.

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