sexta-feira, 11 de março de 2011

Na estação.

Na estação ele mantinha-se inerte, sempre em seu canto, apenas assistindo e contentando-se com o espectáculo da vida. Via centenas e mais centenas de pessoas a passar, de um lado para o outro, sempre a ignorá-lo.
Já ele não as ignorava, ele sempre prestava atenção em todas, uma por uma. Ele sempre pensava naquelas pessoas apressadas, de onde vinham e para onde iam, se alguém os esperava em seu destino. Ele pensava ainda mais naquelas pessoas que não passavam correndo, naquelas que chegavam e ficavam lá, esperando alguém, perguntava-se por quem eles esperariam, e por quanto tempo esperariam. Achava estranho quando esperavam demais por alguém que não chegava, mas, ironicamente, ele não estava em condições para medir tal estranheza, visto que esperava a mais tempo por uma mudança em sua vida, mudança que assim como aquelas pessoas, nunca chegava.
Na estação ele mantinha-se, estacionário. Passavam os trens, mas ele não queria tomá-los, ele não queria deixar aquilo para trás. Passavam as estações, mas ele não mudava, ele não queria se deixar para trás.

Na estação.

Lá estava ele na estação. Esperando o trem chegar como fazia diariamente. Não conseguia se concentrar, não aguentava esperar. Na estação ele andava p'ra lá e p'ra cá. Desconcertado, confuso, com pressa. Pensando em seus problemas, pensando em seus dilemas. Parou por um segundo para olhar ao redor e viu que todos estavam lá. Todas as pessoas que via dia após dia naquela estação, sempre com os mesmos rostos, com os mesmos semblantes, Gente que ele reconhecia, mas não conhecia. Não sabia seus nomes, não fazia nem ideia de como eram suas vozes. Mas sempre os via, dia após dia. Nesse dia em específico, não faltou ninguém.
Não faltou ninguém, todos estavam lá para presenciar seu fracasso, pensava ele. Todos, com suas vidas perfeitas, com seus sorrisos, suas palavras simpáticas. Felizes mesmo tendo de acordar de madrugada para ir trabalhar. Animados mesmo tendo dormido cerca de cinco horas. Somente ele não estava feliz, somente ele estava desanimado. Somente ele era humano.
A Garota que Veste Branco estava lá, como o nome indica, é uma garota que sempre veste branco. Hoje ela estava com um vestido todo branco, um cinto preto e sua bolsa creme habitual. Ela estava linda, como sempre. E sua presença o incomodava, porque eles não se viam sempre, porém justo hoje ela apareceu, balançando sua cabeça no ritmo da música, feliz e cantarolando. Ele não sabia, entretanto, que ela estava ouvindo a música mais agitada e alta que tinha, para permanecer acordada. Pois na noite anterior discutira - de novo - com seu namorado e passara a noite em claro pensando no seu relacionamento e nos problemas que teria de resolver no trabalho. Mas ela estava lá, de pé, com um falso sorriso e a cabeça rockeando, à base de música frenética e café amargo.
O Carinha do Reggae também estava lá. E, bom, por não saber o nome das pessoas, seus "nomes de mentira" eram bem óbvios. O Carinha do Reggae era um rapaz que ele já via há um bom tempo. Hoje em dia ele já não usava dreads como quando ganhou o apelido, agora usava um cabelo curto para combinar com sua roupa social. Mas ainda sim ele usava aquele semblante despreocupado, aquele meio-sorriso bobo. Aquela cara de quem não tem problemas e não consegue compreender como os outros possam tê-los. É claro que por trás daquele ar de segurança existia um jovem cheio de medos e preocupações, e o grande arrependimento de ir àquele trabalho sufocante somente para agradar seus pais. Ele só queria ficar de boa com seus amigos, mas essa não era uma opção válida, e agora ele é um cara infeliz e frustrado que odeia seu trabalho e sua vida, só o que lhe resta é a máscara de alegria o apelido do reggae.
Também estava o Moleque e Sua Mãe. Era um guri de uns nove anos que sempre estava com sua mãe. Eles deviam ser uma família perfeita, porque sempre estavam felizes, a mãe nunca brigava com o menino e ele sempre conversava e ria com ela. Na verdade eles estavam sempre daquele jeito p'ra fingir que sua vida estava boa e eles não eram violentados pelo pai. E eles fingiam bem.
Estava o Bigode, um homem sério que tinha um bigode sério e parecia ter um trabalho sério, tendo em vista suas sérias roupas e conversas sérias ao celular. Um cara que parecia ser bem sucedido. E sério. A Silvia, uma mulher feliz e sorridente que realmente chamava Silvia, porque ele ouvira um dia alguém a chamando assim, e depois ela conversou com a amiga e sorriu bastante. E o Casal Super Romântico, que era um casal romântico demais. O Bigode, na verdade, estava prestes a falir, faz um tempo já, por isso tinha de ser tão sério. A Silvia era realmente sorridente, mas sorria para não mostrar como tinha medo de ficar sozinha e solitária. E o Casal Super Romântico, bom, eram um casal bem romântico mesmo, mas ela o traía.
Também estava Vitória, a quem ele menos queria que estivesse lá. Vitória não era o nome dela, provavelmente, mas ele imaginava que ela tinha cara de Vitória. Ela era tão diferente, tão única, tão humana. Ele julgava que ela era quem mais se parecia com ela. Sem contar que ela era linda, com seu cabelo bicolor e seus piercings. Sempre com suas calças furadas e camisas xadrez, chamava a atenção de todos, inclusive a dele, mas de uma forma diferente. Ele adorava a Vitória. Ela era tão segura e parecia ser tão divertida. Mal sabia ele que ela só era assim p'ra tentar chamar a atenção dos pais que nunca ligavam p'ra ela e preferiam ficar discutindo entre eles ou dar atenção a seus dois irmãos. Ela, na verdade, só queria alguém p'ra lhe dar atenção.
Mas nem Vitória, Silvia ou Bigode sofriam tanto quanto ele, não senhor. Eles estavam sempre felizes, ou sorrindo, ou calmos. Mas nunca pareciam estar tristes e derrotados como ele. Então é claro que eles não estavam sofrendo como ele, é incabível isso. Como qualquer um deles poderia estar sofrendo mais que um rapaz que levou um fora de uma garota que estava um pouco a fim?
Ninguém naquela estação, com certeza.