sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Nós somos feios, nós estamos salvos.

Ela me olhava com aquele sorriso torto que fazia dela a criatura mais amável no universo, ao menos para mim. Sorria sem mostrar os dentes e tomava mais um gole de chá em sua xícara favorita. Eu sempre quis saber porque ela amava aquela xícara, ela sempre tentou esconder o motivo até o dia em que seu irmão contou-me que era presente de um ex-namorado, tentei não a assustar quando trouxe o assunto, mas a assustei o suficiente para ficarmos brigados por quase uma semana. Ela amava ainda mais o chá, mas esse sem nenhuma razão particular, apenas o gosto. Eu pensava demais e ela tomava mais um gole e dava um quase sorriso, a sala era toda silêncio, eu ocupado com afazeres que precisava terminar para a faculdade, ela a tomar seu chá enquanto lia o jornal e também a sorrir-me eventualmente. Ela matou o silêncio ao perguntar-me o que pensava sobre a situação de um país árabe qualquer que encontrava-se em guerra civil, coisa sobre a qual todo homem da minha categoria deve ter opinião. Eu respondi-lhe a mesma opinião que todos esses outros homens dessa categoria.
Ela tentou prolongar a vida de nossa conversa ao falar uma coisa aleatória sobre famosos ainda mais aleatórios, percebi a sua iniciativa e colaborei ao proferir toda sorte de eufemismos vituperiosos apenas  para concordar com sua opinião de uma maneira que não ofendesse aquela delicada flor de pouca beleza, uma vez que odiava que eu discordasse dela. Eu apenas sorri.
Ela sorriu-me de maneira ainda mais sem graça, aquele sorriso fez com que me lembrasse de quando a conheci, não era aquela moça que tomava o chá, era uma garota cheia de vida e encanto, sorria mostrando os dentes, que brilhavam com um branco cor de luar. Eu e ela amávamos o luar, passávamos noites debaixo dele a beber vinho e rir das mais variadas piadas sem graça, mas ríamos porque éramos jovens, éramos lindos, éramos condenados a um fim, seja o fim do relacionamento, seja o fim daquele encantamento, optamos por matar o encantamento mesmo. Ela tomou mais um gole e ajeitou em seu cabelo, a orelha destacou-se como de costume. Eu sempre havia notado que ela tinha uma orelha um pouco grande, que teimava em despontar em meio ao cabelo, lembrei-me de quando tive de sair do país para estudar, ela inventou que nos comunicaríamos somente por cartas e sempre enviava-me junto uma mecha de seus perfumados cabelos, hoje eles não são mais tão cheirosos, e ela nem mesmo tem toda aquela graça que via naquelas cartas, onde a ausência só fez o amor aumentar e o coração afeiçoar-se ainda mais. Ela era maravilhosa em sua juventude, mas não sei se sinto falta disso, admito meu egoísmo, ela era maravilhosa demais, se continuasse daquela maneira ela logo perceberia que não a mereço, sem contar que muitos tentaram tirá-la de mim, houve até uma vez que entrei em uma briga por ela, nem preciso dizer que levei a pior.
Ela perguntou-me repentinamente se eu ainda a amava, como se estivesse a ler meus pensamentos. Eu espantei-me, ela olhou-me penetrantemente e fez um movimento com a cabeça como quem acentua o tom de seu questionamento, ponderei por volta de dois minutos enquanto analisava aquela que estava diante de mim. Ela era diferente da moça que eu conhecera há quase uma década antes, mas ela era pior? Ela era sim menos bonita, mas muito mais sábia. Ela era sim menos calorosa, mas compensava com sua calma. Ela era mais tediosa, mas compensava com sua compreensividade. Eu respondi que sim, que ainda a amava, talvez mais ainda do que antes, era bem melhor ser assim. Nós somos sim feios, mas nós estamos salvos.

Nós somos feios, nós estamos salvos.

Do alto de nossa baixeza, do topo do fundo do poço, os víamos.
Imponentes, altaneiros, sempre o centro das atenções.

Eles são lindos, são fortes, são perfeitos.
Somos feios, somos fracos, somos defeituosos.

Veja só aquele, como é incrível, voa tão alto, brilha como o Sol, corre como o vento. É magnífico, até cair. E cai. cai. cai. Uma queda tão horrível, que não posso evitar de fechar os olhos - outrora focados apenas e sempre nas fantásticas criaturas -, ouço um som de ossos a se espatifar.
Veja só você, não, não veja, não ligo, não ligamos.

Voam, com graça, depressa, para o alto, para frente. Mas uma hora caem, se pararmos para pensar, sempre caem. A maioria, sempre cai, raros são os que planam para sempre, encontrar um lugar ao sol, no topo do Olimpo.

Cai, cai, cai. Caiu lá embaixo, na fenda que nem mesmo nós temos a coragem de entrar, onde criaturas abomináveis residem, gritam, choram. E quando cai, não levanta, mas se levanta, levanta com semblante tão grotesco, que empurramos, enxotamos, chutamos, xingamos, cuspimos de volta. Sai daqui, monstruosidade, não és digna nem de nós. Se cai - ou quando -, é melhor esquecer.

Voo breve, voo curto, se comparado à eternidade no abismo, no infinito da humilhação.
Que bom que não voamos.

Nós somos feios, nós estamos salvos.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Meus tênis favoritos.

Coloco meu all-star azul, 
mas ele simplesmente não combina.
Tento ir com um mais básico,
e fico muito sem graça, muito sem sal.
Se ouso demais já fico colorido,
pareço um palhaço.

É, não tem jeito.
Escolho meus tênis favoritos.
"Você fica tão bonito."
Que também eram os seus.

Meus tênis favoritos.

Meus tênis favoritos estão velhos,
Pobrezinhos, estão a morrer.
Envelheceram, perderam toda a beleza.

Coitados, fizeram tanto por mim,
Tantas garotas sorriram-me por eles,
Tantas pessoas reconheceram-me
Porque era o rapaz dos tênis legais.
E eu, o que fiz por eles?
Senão usá-los à exaustão,
Desgastá-los,
Matá-los.

Mas é melhor que estejam velhos,
Pois assim aprenderei a viver sem eles.
E é melhor que eu os deixe,
Pois de que vale algo que comove pela surpresa
Se todos já conhecem seu segredo?

Já não sei mais o que farei sem eles,
Depois de ter caminhado tanto os calçando,
Acho que perdi minha identidade no meio do caminho,
E já não sei mais aonde ir,
Não consigo esquecer que
Meus tênis favoritos estão velhos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Hiato.

Escreveu mais um poema, publicou-o, enviou a todos seus amigos. Esse era um dos bons, se não o amassam eles teriam algum problema, e se não comentassem seria coisa absurda, mas eles não fariam uma coisa dessas, olha só essas imagens que ele criou, não haveria como deixar isso passar, e essas rimas ricas, sem contar aquela que funciona tanto em português quanto em francês, brilhante. E aquela quebra na métrica justamente no verso que quebra todo o sentido? Como ele conseguira fazer aquilo? Pensava consigo mesmo que atingira um novo patamar.
Mas não, eles não amaram seu novo poema. Nem mesmo comentaram, nem mesmo um "achei legalzinho, embora não tenha entendido nada", eles nunca entenderam, nunca mesmo, e o azar era todo deles, eles que estavam perdendo a riqueza literária que ele trazia. 
Pois bem, ele lhes daria uma resposta à altura: entraria em hiato, pararia de escrever por um tempo e eles não teriam poemas em suas vidas, aí sim descobririam como precisavam da arte. Melhor ainda, utilizaria todo esse tempo para pensar em só um poema, poderia ser um poema grande, daqueles que traz uma histeria à la Campos, mas também precisa de sensibilidade, consulta o maior de todos, Baudelaire, para isso. Mas não pode esquecer-se da métrica, ela tem de fundir-se à perfeição com o conteúdo, como um Bilac juntando-se ao romantismo. O ritmo também precisa ser levado em conta, que tal um ritmo para cada estrofe? Tudo de acordo com o que ela quer dizer, as Odes horacianas todas em um só poema, isso sim seria o ápice. Falando em clássicos, uma referência ou outra aos mitos não fazem mal a ninguém, mas de certo modo atualizados, como um Joyce versejador. E as imagens, não pode esquecer-se das imagens, Yeats lhe serviria. Por fim, uma pitada de nacionalismo e engajamento social, mas não um nacionalismo, talvez precise de um sentimento mundial, é isso.
Pronto, dois anos depois estava escrito o maior poema de todos os tempos, só falta-lhe o título. Antes disso ele quer ver como estão seus amigos, provavelmente miseráveis, não sei como podem ter vivido tanto tempo sem a poesia, por vezes eles até conversavam com o nosso heroico poeta, mas ele não lhes transmitia toda a poeticidade que poderia passar, eles não mereciam.
Olhando direito, eles não estavam miseráveis, parece que não precisam de poesia, e o que fazer com o nosso grandioso poema? Acho melhor dar o título, pelo menos, "Hiato" lhe cairá bem, e é claro que será publicado e enviado a todos os amigos do mesmo jeito, pouco importa se não entenderão um décimo das referência, pouco importa se não reconhecerão os iâmbicos, pouco importa se não compreenderão a mensagem, pouco importa a vida, ele ainda tem a poesia.

Hiato.

Estava sempre correndo contra o tempo. Prazos, expectativas, pressão. Todos queriam algo a mais dele, um esforço, uma força.
De segunda a segunda, não tinha sossego, em casa, no trabalho, com os amigos, um novo problema, um novo projeto, uma nova ideia.

Um novo motivo para perder o sono.

Dormia cada vez menos, tinha sonhos cada vez piores.
Sonhava que dormia.
Sonhava que descansava.
Sonhava que tinha paz.

E os dias passavam, e ele ficava. Todos seus planos... não eram tão importantes. Todas suas metas... ficaram para trás. Seus sonhos, morreram. E ele, ele ficava.

Cansado, exausto, esgotado. Sobrevivia, sem tempo para viver.
Morria, sem tempo de sofrer.

Resolveu tirar férias, mas teria logo de voltar, não daria tempo para voltar no tempo.
Resolveu se demitir, mas não conseguiria manter as coisas como estavam.
Resolveu tirar um hiato, indefinido.

E, se não houver vida após essa, eterno.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A Faca.

Hoje um amigo meu
Me contou que você morreu.
Uma pena, devo admitir.

Disse-me que andava por aqui
Hoje de manhã
Quando viu um alvoroço.
Curioso, aproximou-se,
Viu que tratava-se de um crime:
Uma moça morta ao chão,
Esfaqueada, com seu corpo aberto,
Viam-se as vísceras nuas,
E o belo rosto ensanguentado.
Estavas sem um braço,
E com o coração partido em dois.
A tua palidez mais pálida que jamais fora,
Os lábios usualmente róseos
Assumiam um tom bordô,
E os olhos, tão azuizinhos,
(Ou ao menos o olho que sobrou)
Destacavam-se no teu mar de sangue.
Parecia ter acontecido na madrugada
Ou na noite passada,
Pois, como me disse ele,
Os vermes já festejavam em teu corpo.
Crime hediondo mesmo,
Uma pena.

Orgulhei-me do meu amigo,
Que, mesmo não sendo poeta,
Descreveu-te com tanta acurácia,
Acurácia que eu jamais atingiria.

Eis que parou de contar-me,
Deve ter estranhado minha reação,
Um misto de admiração e deleite.
De pronto tive de mudar a expressão
Mas não conseguia, encantava-me muito
A imagem que se desenhara em minha mente.
Mas tinha de conseguir, 
Tinha de pensar em coisas ruins.

Nada de ruim me ocorria,
Pois só pensava em tu deitada,
Em tua sublime calma.
Foi então que deste-me uma luz.

Pensei em como eu o invejava
Por te ter visto tão indefesa
Como jamais te mostraste a mim.
Pensei em como eu invejava os vermes
Por sentirem-te como jamais senti
Pensei em como eu invejava aquela faca,
Como eu invejo aquela faca!
Por tocar-te como jamais toquei,
Por abrir o pulso da mão
Que deveria carregar minha aliança.
Por partir teu coração em dois
Como eu sempre sonhei fazer.

A Faca.

Uma apunhalada.
Fria, breve.
O sangue escorre pela lâmina,
pela boca.

Apenas um golpe, fatal.
Surpreende, mata.
O sangue pinga no chão,
suja o sapato.

Um sorriso irônico.
Um muxoxo ecoa.
Sangra.
Faz sangrar.

Mais uma estocada,
um beijo de adeus.
Sangro.
Com a faca que te dei, para te proteger. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Daqui a duas semanas atrás.

Logo ele desistirá de tudo mais uma vez, sem sonhos, sem ideais, sem projeções para o futuro. Sua vida sempre foi assim, um constante encontrar-se e perder-se novamente, mas ele não queria nada disso, não quer pensar no que fará do futuro ou sobre o que fez no passado, só pensa em ler seus livros, ver bons filmes, fazer algo de interessante em sua vida, sem pensar em mais nada. Mas tem de ser algo interessante para ele mesmo, não quer um emprego decente, não quer uma esposa, não quer socializar com gente que não gosta, não mesmo.
Até o momento em que, daqui a duas semanas atrás, ele conhecerá uma garota sem graça, mas em quem verá graça. Por um tempo, pensará que a vida faz sentido, acreditará em final feliz, tentará ajudar a todos e espalhar bondade pela vida. Enfim, encontrou-se, é isso que pensará. Encontrou o amor de sua vida, encontrou seu caminho, seu destino. Logo ela desistirá dele, e ele de tudo mais uma vez.

Daqui a duas semanas atrás.

Onde você estava há duas semanas? Com quem? Que queria da vida?
Onde você estará daqui a duas semanas? Com quem? Que quererá da vida?

Esqueça os anos, os meses são tempo demais, duas semanas, duas semanas são o suficiente para uma vida.

Em duas semanas, puxa vida, pode se apaixonar, mudar seu estilo, aprender tanta coisa.
Em duas semanas, oras, pode continuar o mesmo, sem tirar nem por, são só duas semanas.

Duas semanas bastam, para muita coisa, duas semanas atrás, daqui a duas semanas.
As coisas mudam, as pessoas mudam, mas tudo continua tão igual, em duas semanas.

Tente ser feliz, daqui há duas semanas.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Criação.

Cria amor, cria romance,
cria drama, cria comédia.
Cria ação.

Cria um beijo roubado, cria um poema improvisado,
cria choro, cria riso.
Cria uma aventura incrível.

Cria uma menina, cria um menino.
Cria uma separação, cria um mau entendido.
Cria uma história completamente nova.

Cria um mundo melhor que o teu,
cria uma vida que importe,
cria um significado para toda essa dor.

E foge da vida, vive na criação.
À Criação, o criador.

A Criação.

Se eu escrever um romance in medias res,
Com um protagonista idêntico a mim
Que tenha todas minhas memórias
Que sonha todos meus sonhos
E passou por todas experiências que passei,
E que sente tudo que senti,
O que faz dele menos real que eu?

Eu sou eu.
Tautológico?
Não, é importante destacar.
Mas eu não sou eu,

Eu sou tudo que prova que eu sou eu,
Todos os documentos, todas as fotos,
Mas estas, assim como aqueles,
Podem ser forjadas.
Então, o que sou eu?

Eu sou tudo que se pensa sobre mim,
Mas os pensamentos são coisas subjetivas
E flutuantes.
Os pensamentos são pensados por pessoas como eu,
Que também não sei quem são.

Eu sou todas as lembranças que eu penso ter,
De fatos que poderiam ser documentados,
De momentos que foram fotografados,
De pensamentos que pensei sobre pessoas,
Dessas pessoas com quem convivi,
Mas isso é muito mais real,
Pois isso foi o que vivi.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sala de espera.

Em uma sala de espera quase completamente vazia e aparentemente comum, uma moça aguarda pelo momento em que seu nome seja chamado. A moça também não é nada de especial, tem 1,59m de altura e deve pesar por volta 58kg  digo "deve" pois isto é coisa que não se deve perguntar a uma mulher, nem que você seja o autor de uma história sobre ela. Nos outros aspectos ela é igualmente ordinária, tem cabelos escuros, mas não pretos o suficiente para serem atraentes. Olhos igualmente escuros, sorriso sem nenhum encanto. Era tão qualquer coisa que até mesmo descrevê-la é um tédio, e é por isso que pularei para o momento em que algo acontece, podem imaginar o resto dela como bem entenderem, contanto que não seja nada de mais.
Bem, eis que entra um rapaz na sala, – mas acalme-se, amigo leitor, não é ainda que algo acontecerá, a tensão deve ser construída – ele é um rapaz lindo, mais alto que a média, atlético, lindos cabelos louros e maravilhosos olhos verdes, seu sorriso parecia iluminar a sala quando entrou. É muito engraçado e inteligente, embora isso não seja visível, mas ela sentia isso, uma vez que isso é apenas um texto, e personagens inexistentes conseguem sentir esse tipo de coisa.
O rapaz também sentia algo diferente da moça, e ela se perguntava se finalmente deixaria de ser invisível, se finalmente alguém a tiraria de sua vida tediosa. Eles trocavam olhares, esperavam por um momento de romance dos idos do século XIX, momento esse em que ele a trataria como princesa, a tiraria daquela vida sem brilho e mostraria um universo de possibilidades em que poderiam ser felizes.
– Júlia Silva, pode entrar, o doutor já vai te atender. – disse a atendente enquanto saía o paciente que estava  dentro do consultório. Aliás, até mesmo seu nome era tedioso, Júlia Silva.
Júlia entra no consultório com um ar de decepção, assim como foi toda sua vida, olha para trás como se esperando uma atitude do rapaz, que a olhava fixamente, mas nada fez. A sua consulta é dispensável para o andamento da história, foi uma consulta como qualquer outra, consultórios médicos e salas de espera não são exatamente aquilo com que todo escritor sonha, sinceramente.
Falando em sonhos, Júlia saiu do consultório e o rapaz foi direto em sua direção, disse-lhe que Júlia era um nome lindo, assim como ela era, e que significava "cheia de energia" – coisa que não condizia com ela, sinceramente – ele deixou sua consulta de lado, pois queria viver todo momento que pudesse ao seu lado. Daí em diante viveram uma vida de best-seller contemporâneo, cheia de alegrias e vazia de complexidade.
Mas isso é a ficção, amigos. Isso é o que nós escritores fazemos, o que poderia ter sido e não o que realmente foi. E você, querida leitora, desculpe-me por tudo isso, – ainda mais se seu nome for Júlia – desculpe-me por mostrar uma vida que nunca poderá viver, desculpe-me, muito embora a culpa seja da ficção, e não minha. Pois onde mais uma moça encontraria seu amor em uma sala de espera? Bem, ao menos Júlia não estava apenas lendo romances em sua sala, a esperar que sua vida fosse igual.

Sala de espera.

Sentado naquela poltrona confortável - nos primeiros dez minutos - ele olhava de 5 em 5 minutos - embora sentisse que fossem 15 - para o relógio na parede. O tic tic do ponteiro menor martelava em sua cabeça e ruidava seus pensamentos. Já sabia tudo daquele relógio, sabia que o ponteiro dos minutos travava entre o 3 e o 4, já pulando para o 5 quando era a hora, sabia decor a ordem dos pássaros que enfeitavam cada número, distinguia as pequenas diferenças entre o som de cada ponteiro. Tudo notado para tentar se distrair, fazer a hora correr.
Na TV passava algum programa fútil sobre celebridades e as pessoas que elas beijaram ou não, para ele é como se ela já não estivesse mais lá, apesar de algumas vezes olhar para ela para ver como o cabelo do apresentador tinha uma coloração talvez mais falsa que seu sorriso. Evitava ao máximo prestar atenção, sabia dos efeitos colaterais de deixar a TV passar seu tempo.
Observava os outros dois na sala com ele, igualmente entediados, igualmente sem algo para dizer e fazer o tempo passar.

De vez em quando coloca a mão no bolso e tirava de lá um papel amassado, abria-o com delicadeza e lia seu conteúdo, tentando escondê-lo dos outros, embora imaginasse que também tinham um, não havia outro motivo para estar lá além dessa carta.

Um deles se levantou, deu uma bufada descontente, caminhou com passos pesados para o canto da sala e ainda esperou alguns segundos antes de bater na porta que os três continuamente observavam.

TOC TOC TOC

Bateu e esperou, pensou em bater de novo, mas apenas esperou. A porta se entreabriu, e ele olhou pela fresta, pode-se ouvir algo, mas só ele conseguiu entender. Abriu um pouco mais e antes que a luz saísse ou entrasse da sala, entrou. 10 minutos mais tarde saiu de lá, com um sorriso enorme no rosto e uma maleta aparentemente pesada, no centro dela tinha um cifrão. Ele meneou a cabeça para os dois e foi embora sem dizer nada.

Os outros não tinham certeza, mas não duvidavam de que realmente o primeiro fora embora um pouco mais rico.
Ele ficou ainda mais ansioso, esperando que o tempo passasse mais rápido, mas só parecia que cada vez mais se arrastava. Uma meia hora se passou e o outro, suado, angustiado, ansioso, levantou-se e foi apressadamente para a porta. Colocou a mão na maçaneta, mas parou antes de girá-la.

toc toc

A porta novamente se abriu, e ele entrou rápido. Em 5 minutos saiu de lá com uma bela garota, baixa, ruiva, com olhos apaixonados para ele, que retribuía. Foram embora de mãos dadas e apaixonados.

Ele ficou lá, sozinho, esperando e esperando, tentando encontrar uma posição confortável naquela desconfortável poltrona. Caminhando pela sala, olhando o relógio e seu tic tic. O tempo passou, e passou, e passou.
Enfiou a mão no bolso e sem ninguém para esconder, abriu o bilhete que guardava, releu as letras minuciosamente. Na parte de trás continha um endereço, na parte da frente apenas uma mensagem:


Quanto mais se espera, mais recebe.


Esperou mais, e mais, os segundos duravam horas, as horas nunca mudavam, não sabia se já tinha se passado algum dia, alguma semana, só sabia que horas e horas já tinham se perdido nas areias do tempo.

A maçaneta dourada da porta de repente começou a girar, a porta branca se abriu por inteira, uma luz celestial iluminou aquela sala pastel. De dentro da sala saiu um homem grande, imponente, com uma barba alva e comprida, vestido apenas com uma toga branca e sandálias de madeira. Trazia algo em sua mão e pareceu surpreso ao ver o rapaz ainda esperando.

- É pra mim?! - Perguntou o jovem, ciente de que receberia o maior prêmio de todos.
- Bom... na verdade, o que você ainda está fazendo aqui? - O velho respondeu, coçando sua barba.
- Eu... estou esperando, oras. O que é isso em sua mão, se não meu prêmio?

O ancião mostrou então que carregava uma placa, o garoto leu-a e pareceu não acreditar. Riu insanamente, mas percebeu nos olhos do outro que era verdade, não teve reação alguma, ficou imóvel.
- M-mas eu esperei tanto! - Exclamou.
- Eu sei... Mas, talvez tenha sido demais, se houver uma próxima vez, melhor sorte. - Explicou o velho.

O jovem, talvez cansado de estar lá, talvez sem forças por esperar tanto sem comer ou dormir, talvez apenas compreendendo tudo, foi embora sem dizer nada. 

O homem foi então à outra porta, pela qual todos saíram e colocou a placa nela, fechou-a e voltou para sua sala. A placa dizia apenas: fechado.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Ninguém.

Lembro muito bem quando você parou de se importar,
foi um pouco antes d'eu parar.

Depois disso foi questão de tempo,
pra você pedir um tempo.

Sozinho,  fui procurar meus amigos,
mas como eu os evitei, eles evitaram falar comigo.

Um por um, foram todos indo embora,
me pergunto: a quem recorrer agora?

Sem você, sem eles, sem mim, sem rima.
Sobrou-me ninguém.

Ninguém.

Ninguém precisa de ninguém.
Honestamente, somos seres inteligentes,
E independentes.
Somos adultos, podemos seguir sozinhos.

Mas ninguém precisa de ninguém.
Não, não há alguém que precise de ninguém,
Sempre precisamos de outros.
Ninguém vive sem ninguém

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O poeta sem rimas.

Pobre daquele que perde aquilo que estimava. Não por ter perdido aquilo que tanto amava, embora isso doa mais que muitos podem aguentar, mas por fechar-se para tudo que a vida nos oferece. 
Pobre do poeta que perde suas rimas. Pobre dele que esquece do valor da métrica em um poema, pobre dele por deixar de se importar com as imagens, pobre dele por fazer poemas vazios. Pobre do poeta que não ouve mais o ritmo e que por isso não o coloca em seus próprios poemas, ele é tão triste, e a culpa não é  das rimas. Pobre do poeta que deixa de lado as figuras de linguagem, os zeugmas e até mesmo as antes tão lembradas metáforas, pobre dele que não vê mais o que a poesia lhe oferece.
Mas no fim das contas um poeta sem rimas é só o mesmo que uma pessoa sem amor.

O poeta sem rimas.

Não sabia rimar, tampouco metrificar. Nem imaginava como se faz um soneto, de que se tratavam redondilhos e mantinha distância das epopéias. Mas amava. Sabia que isso não era o bastante, mas amava.
Era o pobre poeta sem rimas, vivia uma vida poética, tinha amores impossíveis e dores inagualáveis. Pobre do poeta sem rimas. Sem ritmo, sem versos. Sem versos.
Pura prosa, chato como um texto corrido, duro como um parágrafo, preso como prosa. Sem criatividade, sem lirismo. Caminhava sempre firme, sempre bem, mas não, ele não sabia dançar.
Amava até o fim, sofria sem fim. Era em tudo um poeta, só lhe faltava a poesia. Era perfeito, tirando seu defeito.
Sua vida era um grande poema. Seus amores, suas musas; seus atos, seus versos. Era dedicado, mas não tão delicado, tentava e tentava, mas nunca alcançava. Fez tudo que pôde, e no fim, perdeu tudo, tudo que lhe importava, perdeu o amor, pois muito mal rimava.
E quando ela foi, fez questão de lhe dizer, ele foi a melhor coisa para ela, mas simplesmente faltava algo, algo que ele nunca poderia lhe dar.

"A única coisa que eu queria, era um poema teu, adeus."