sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Marinheira.






Toda vez que vou à costa eu lembro disso, não há uma só vez que o mar não me traga estas recordações, ou um só dia em que notícias sobre acidentes em alto mar não me façam pensar nisso.
Eu passava uma tarde do verão bastante comum no litoral e estava acompanhado por uma amiga marinheira, seu nome era Marina, – completamente propício para a vida que levava – tinha cabelos dourados como os raios de sol que nos iluminava e olhos cor de oceano. Marina era a única mulher em toda a frota – a propósito, esqueci de falar que sua frota estava apenas de passagem por Lucca, onde passo o verão em uma tentativa de fuga de Florença – e, além disso, tinha apenas vinte e um anos, o que fazia dela o segundo tripulante mais jovem da frota, sendo mais velha apenas que Giorgio, um rapazinho desengonçado de dezoito anos que fugira de casa e fora acolhido pelo almirante. Apesar disso e do fato de ser a única mulher de sua frota, Marina 
Lembro-me até hoje de quando a conheci, estava encostado nas grades do porto vendo os navios a partir e chegar enquanto esperava por uma luz para um romance que havia começado no verão anterior, foi quando vi uma moça radiante, fardada com o uniforme da marinha italiana, e eu juro, amigos, juro que naquele momento seu brilho era tão grande que poderiam apagar o sol e eu jamais repararia, ela conversava com Giorgio e dava risadinhas, por Deus, como eu queria ser ele para poder sua doce fala escutar e ser o causador de tua risada atraente. Minutos depois Giorgio subia as escadas que ligavam o porto à praia, foi quando eu o abordei e perguntei quem era aquela moça que com ele conversava, já sabem a resposta, mas o que vem a seguir não podem prever. 
Foi no dia seguinte, no restaurante que ficava em frente ao porto, eu estava sentado em uma mesa ao canto  lendo um livro e esperando por ideias para aquele romance que havia começado mas nada me ocorria, foi quando Marina entrou no restaurante, eu a admirava enquanto aquele presente dos mares se dirigia a uma mesa, mas é nesse momento que tudo acontecerá, então prestem atenção. Nossos olhares se cruzaram, eu deveria ter voltado-me para os poemas de Safo, eu deveria ter-me ruborizado completamente, eu sempre fui assim, mas não, eu continuei olhando-a e fui além, sorri-lhe. Mas a minha estranheza não acaba aqui,  eu pensava que Vênus finalmente me sorrira e me dava um empurrão na direção ao amor, Marina sorriu de volta e se dirigiu a uma mesa, minutos depois levantei-me e dirigi-me a sua mesa, puxei assunto com uma frase famosa qualquer, depois a deixei constrangida com uns versos de Dante, mas eu sabia que no fundo ela gostava. Sentei-me à sua mesa e foi aí que nos tornamos amigos.
Continuamos a nos encontrar naquele restaurante, em quatro ou cinco dias já éramos íntimos, descobri que Marina tinha medo do mar, mas servia à marinha porque seu pai queria um filho homem para servir a pátria, mas como só tiveram Marina, ela foi forçada a isso, mesmo assim ela gostava de conhecer toda a Europa. Ela também descobriu coisas sobre mim, principalmente que eu não era Dante, no momento da descoberta se enfureceu, mas depois mostrei-lhe versos verdadeiramente meus e perdoou-me, até porque ela era superior a Beatriz. E é agora que chegamos àquela tarde comum no litoral, estávamos deitados na areia e eu olhava aquela flor, eu agradecia a Vênus e eis que curvei-me a Marina para beijá-la, mas ela virou seu rosto para o outro lado e disse-me que amava a outro. Pela primeira vez alegrei-me em pensar que ela partiria em três dias.
Despedi-me dela no porto onde a vi pela primeira vez, ela anotou meu endereço para continuarmos com nossa amizade, dizia que eu era o melhor amigo que poderia encontrar. Na última carta que recebi ela dizia que estavam prestes a entrar em combate com navios ingleses, Marina está morta para mim.
É por isso que eu não acredito no amor, meus amigos. E quanto àquele romance, estou prestes a terminá-lo, se chamará "A Marinheira", e será sobre um aspirante a escritor que conhece uma marinheira que muda sua vida mas que jamais poderá saber isso, e será muito mais bonito.


A Marinheira.

Aqui do píer eu observava aquela bela garota no cais, com seu corpo delgado, o escuro cabelo ao vento. Aqui do píer eu observava aquela bela garota no cais, com seu uniforme branco, como o daqueles rapazes, ajudando-os, descarregando o barco, ou o arrumando para uma nova viagem. Eu observava aquela bela Marinheira, tão obtusa, tão decidida. Quase como uma santa, intocável. Ninguém se atrevia a dirigir-se a ela com intenções oblíquas, eram sempre cordiais. E levantaram âncora.
Algumas semanas depois, lá estava a embarcação novamente, e a marinheira descia com um sorriso no rosto, a pele agora côr de bronze, e uma delicadeza virginal ao pular no cais, que eu observava aqui do píer.


E minha rotina era essa, observar - de longe - do píer, aquela bela Marinheira, distante, inalcançável. Para que eu tentaria uma aproximação? Para que eu iria querer saber se seu nome é Sandra, Rosa ou Madalena? Era mais do que óbvio que seria rejeitado, seu olhar emanava independência, ela não precisava de nada disso, de ninguém, de alguém. Estava muito ocupada com seu barco, com o mar, para amar. E zarpou.


Até que um dia, vi - aqui do píer - um rapaz no cais, não muito diferente de mim, esperando alguém há algum tempo. Quando o côncavo barco chegou, a Marinheira parecia ainda mais sorridente, desceu num salto e deu um longo beijo no moço que a aguardava. Eu realmente não entendia o que ele tinha que eu não tinha, éramos tão parecidos. Mas depois percebi que ele içou vela, enquanto eu apenas esperei pela maré.