terça-feira, 21 de agosto de 2012

A Faca.

Hoje um amigo meu
Me contou que você morreu.
Uma pena, devo admitir.

Disse-me que andava por aqui
Hoje de manhã
Quando viu um alvoroço.
Curioso, aproximou-se,
Viu que tratava-se de um crime:
Uma moça morta ao chão,
Esfaqueada, com seu corpo aberto,
Viam-se as vísceras nuas,
E o belo rosto ensanguentado.
Estavas sem um braço,
E com o coração partido em dois.
A tua palidez mais pálida que jamais fora,
Os lábios usualmente róseos
Assumiam um tom bordô,
E os olhos, tão azuizinhos,
(Ou ao menos o olho que sobrou)
Destacavam-se no teu mar de sangue.
Parecia ter acontecido na madrugada
Ou na noite passada,
Pois, como me disse ele,
Os vermes já festejavam em teu corpo.
Crime hediondo mesmo,
Uma pena.

Orgulhei-me do meu amigo,
Que, mesmo não sendo poeta,
Descreveu-te com tanta acurácia,
Acurácia que eu jamais atingiria.

Eis que parou de contar-me,
Deve ter estranhado minha reação,
Um misto de admiração e deleite.
De pronto tive de mudar a expressão
Mas não conseguia, encantava-me muito
A imagem que se desenhara em minha mente.
Mas tinha de conseguir, 
Tinha de pensar em coisas ruins.

Nada de ruim me ocorria,
Pois só pensava em tu deitada,
Em tua sublime calma.
Foi então que deste-me uma luz.

Pensei em como eu o invejava
Por te ter visto tão indefesa
Como jamais te mostraste a mim.
Pensei em como eu invejava os vermes
Por sentirem-te como jamais senti
Pensei em como eu invejava aquela faca,
Como eu invejo aquela faca!
Por tocar-te como jamais toquei,
Por abrir o pulso da mão
Que deveria carregar minha aliança.
Por partir teu coração em dois
Como eu sempre sonhei fazer.

A Faca.

Uma apunhalada.
Fria, breve.
O sangue escorre pela lâmina,
pela boca.

Apenas um golpe, fatal.
Surpreende, mata.
O sangue pinga no chão,
suja o sapato.

Um sorriso irônico.
Um muxoxo ecoa.
Sangra.
Faz sangrar.

Mais uma estocada,
um beijo de adeus.
Sangro.
Com a faca que te dei, para te proteger.