terça-feira, 13 de novembro de 2012

Balé.

Que bailarino que não quer dançar um solo? Ah, meu bem, eu cansei. Cansei de dançar tantos solos, querida. Tanto solo assim, pela vida. Tantos solos quanto despedidas. Estou farto de tanto dançar só. Chega de ser Don Quixote, chega de ser o príncipe que apenas busca sua princesa. Cadê minha princesa? Cadê minha parceira?
Bem, certa vez houve alguém. Que parceira! É claro que eram apenas ensaios, mas que sintonia! Que pas de deux! Que saudades de você! Sim, como sinto tua falta, pois sei que adora ver-me dançar. Sei que está vendo agora mesmo. Você fazia tudo parecer tão fácil, você me fazia sentir que voava. Você voava, sim, voava. Você, um anjo. Eu, tão só eu, sem graça, sem graciosidade, sem gracejos. Não havia como dar certo, mas quase deu.
Mas não deu. Sou um grande bailarino, sim. Mas só tenho a mim. Sim, tentaram outras parceiras, algumas ainda mais talentosas ou belas que você. De que adianta talento? De que adianta beleza? Não eram você, apenas isso. Sim, sou laureado por prêmios e prêmios. Sim, sou elogiado por coreógrafos e coreógrafos. Sim, pratico por horas e horas.
E dói, querida. Tanto tempo no estúdio. Tantas lesões. Tantas bolhas em meu pé. Meu pé é ele mesmo apenas bolhas. Eu vivo, meu bem, numa bolha. A bolha se chama você. A bolha dói. Ah, querida, como dói vê-la dançar com outros. Mas acalma meus pés o pensar que já dançaram contigo. E eu? Dancei.

Balé.

Ele dava passos firmes, passos concisos, precisos, dava meia volta, e fazia tudo de novo. 
Ela aparece, de fininho, na ponta dos pés, como se pisasse em frágeis nuvens.
Ele se vira e a nota, pára, mantem-se ereto e abre os braços. Suas pernas se movem como asas de beija-flor e ela pula nos braços dele, dão voltas sobre seus pés e sobre o chão que some por alguns instantes. 
Riem, sorriem, param devagar. Um beijo na testa, um rosto corado. 
As mãos não se soltam nem por um segundo, inquietas, conhecem-se, reconhecem-se, os dedos se entrelaçam, se cruzam, se prendem; apertos, beliscões (piscadelas).
Os lábios dela se movem rapidamente, ela para por alguns instantes, mas sempre retoma. Os lábios dele se movem devagar, hesitam, abrem por alguns instantes e fecham novamente. Os dois mordem os lábios sem perceber.
Olhar vago, perdido, evitava olhar para ela diretamente. Olhar decidido, predador, sempre encontrava os olhos dele.
Um sorriso, um riso. Que sorriso.
Ela meneia a cabeça para que ele se aproxime, ele se aproxima. Ela fala, ele fala, eles falam.
Ele se aproxima. A respiração pesada. 
Ela se aproxima. O sorriso nos lábios. 

Eles sorriem e nada mais importa.
Beliscões, mordidas, beijos, sorrisos.
Envolve-a em seus braços, cobre-a de proteção e de carinho. 
Aninha-se no peito dele, os lábios se movem devagar, mas o coração corre mais que nunca. 
Ele se aproxima mais, sorri, sorriem. Ele a observa por partes, ele a toca; a sente; a tem, ao seu lado, em seu coração, em sua memória. 

A noite dura uma vida, uma vida inflamada, vivida, que passa rápido mas deixa marcas em todas as que encontrou. 

Ele precisa soltá-la, mas suas mãos não se soltam.
Ela precisa ir embora, mas seu coração não quer, eles se despedem, se prendem, se soltam,

 as cortinas se fecham e todos aplaudem, mas elas não abrem novamente.