domingo, 12 de maio de 2013

Oração.

"Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis, e acendei neles o fogo do Vosso amor"
Ele parava por um segundo e repetia as palavras
"O fogo... do amor."
Continuava a Invocação e só então abria os olhos, lentamente, as palavras ainda queimavam no seu peito. Sentava-se na cama, zonzo, como se não soubesse onde estava, apesar de ter acordado a vida toda nessa cama, nesse quarto. "Amém"

Levanta-se, os pés pesavam, sentia-se preso a grilhões, sentia-se preso. Andava em círculos, pensava; planejava, mas sabia que não podia fazer nada. No meio do quarto, parava, afastava as mãos do corpo, fechava os olhos e dizia, em silêncio, "Divino Jesus, eu Vos ofereço este Terço que vou rezar contemplando os mistérios de nossa Redenção." Caminhava ao lavatório, enchia suas mãos de água fria que escorria. A torneira chiava. Lavava o rosto, as mãos, purificava-se com a água que saia da torneira. A torneira chiava. Fechava-a. Olhava para o espelho, para seus olhos. Abria a torneira novamente. De novo ela chiava. Molhava outra vez o rosto, a fronte. A torneira que chiava foi fechada. Se olhou. Os olhos pareciam sujos, olhos marrons, fortes. Sujos.

Sentado na cama, segurava, firme, a cruz. Fazia o sinal da cruz, seu braço esquerdo latejava, uma dor que já não mais existia, mas que lhe marcou. Com dor aprendeu a fazer o sinal da cruz com a mão direita, a escrever com a mão direita.

"Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra."
Saia de seu quarto, a mão sempre enrolada em seu terço. Apenas meneava a cabeça, confirmava, declinava, nesses dias, não se importava muito para o que acontecia ao seu redor. Sabia que algo pior estava por vir mais tarde, e seguia orando.

"Pai Nosso que estais nos Céus"

Descia para o salão principal e dejejuava com seus irmãos. "Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco"
Pegava um pedaço de pão e dividia com quem sentava ao seu lado.

"Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco"

Levanta-se a agradecia pela refeição."Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco"

Seus dedos finos, frágeis, chegavam à quarta das grandes contas, passou o dia revezando seus afazeres, suas orações; seus pensamentos, seus lamentos; suas vontades, seus desejos.

Estava sentado no confessionário, aguardava a próxima confissão. O sino batia, uma, duas, oito vezes. Seu coração, oitocentas.

"Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre (e pelos séculos dos séculos), Amém"
A porta de madeira rangeu, ouvia os passos, calmos, frívolos. Ela abriu o estrado para vê-lo.
"Ave Maria Puríssima"
"Sem pecado concebida. Abençoe-me, Padre Fábio, pois pequei. Há sete dias fiz minha última confissão."
Ele fechava os olhos, pensava em tudo que aprendeu, orava para si mesmo "Pai Nosso que estais nos Céus"
"Meus pecados... Meu pecado é o seguinte:"
E ela lhe dizia com detalhes, sua voz aveludada, macia. Dizia-lhe de seus pecados, seus adultérios, dizia como caía na tentação. Com detalhes, ele imaginava, ele traía, era traído por seu corpo. Ela lhe dizia, como era tocada, dizia, como se sentia, como era bom.

Ele, num segundo de tentação, a olhava, olhava por inteiro. Ela, ajoelhada, os olhos fechados, as mãos juntas. Como era bela, como era pura. As lágrimas escorriam de seu rosto. As lágrimas caíam, ele caía, virava-se, não podia olhá-la, não podia, não podia nada.

Por fim, ele dizia.

"Já sabes o que te direi, reze o terço o dia inteiro, pense se é isso que queres, o que amas de verdade. Reflita, minha filha, reflita."

Ela concordava, os olhos marejados, os lábios a fraquejar. Segurava o choro, era forte, era fraca. Dizia"Senhor Jesus, Cordeiro de Deusque tiras o pecado do mundo, reconcilia-me com o Pai pela graça do Espírito Santo;purifica-me de todos meus pecadose faz de mim um homem novo. Amém."

"O senhor perdoou teus pecados, Ide em paz." Ele respondia. Ela agradecia e ia, em paz.

Ele ficava lá, sentado, não ouvia mais nenhuma confissão, não podia, não conseguia.

Esperava, esperava quanto tempo for. 

"Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós.

Rogai por nós, santa Mãe de Deus.
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo."

Levantava-se, e ia, sem paz.

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