segunda-feira, 24 de junho de 2013

Poema bom.

Não esse, claro que não esse,
muito menos os outros tantos que já fiz, ruins e imutáveis.
Aquele que permite o poeta ser poeta: fazer poesia.
Todos que ainda não criei, sim, são os melhores poemas que já escrevi.

Poema bom.

Minha vida por um poema,
Um verso que valha uma eternidade.

Eu sou, gentil Marília, eu sou cativo
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu não sou nenhum Hércules.
Meus olhos vão buscando lembranças,
Como gravatas achadas.
E que dificuldade de falar!
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!

Talvez poema bom
Seja poema meu mesmo.

domingo, 9 de junho de 2013

Penitência.

Personagens da peça: O Juiz, os réus, os advogados, um júri.

A peça inicia-se em um grande tribunal, diversos réus aguardam enquanto conversam a entrada do senhor Juiz, após a sua entrada todos se sentam e é dado início ao julgamento.

Juiz: Ordem, ordem no tribunal. Que venha o primeiro a ser julgado.
Primeiro réu: (Para o seu advogado) Bem, é melhor eu ir logo porque ordem é comigo mesmo. (Para todos.) Bom, não creio ter cometido crime algum, mas se o senhor quiser julgar-me, sou todo seu.
Juiz: Certo, vejamos bem, tu não fizeste muito mal, foste sempre pelo bem dos pobres e sempre promoveste a igualdade, apesar de um erro ou outro acobertado por teus chefes. Por que ele está aqui então?
Advogado do primeiro réu: Bem, senhor, o meu cliente não fez nada de errado. Está aqui apenas por ter comido algo que disseram ser proibido por uma lei diferente da nossa, o que não faz sentido. (Entrega a constituição estrangeira para o Juiz) Se o senhor analisar bem, verá que, de fato, é proibido o consumo dessa carne para esses estrangeiros, mas o meu cliente vive aqui, e portanto deve seguir a nossa lei.
Juiz: Culpado! Não se deve ir contra a lei, não importa qual seja.

Juiz: Que venha o segundo réu.
Segundo réu: Certo, ele está usando a minha constituição, então vai ser fácil me livrar.
Juiz: Vejo que o senhor jamais comeu da carne que não devia comer, nem mesmo fez mal indiscriminadamente, por que está aqui então?
Advogado do segundo réu: Bem, senhor, o meu cliente não fez nada de errado. O motivo que o trouxe aqui foi o fato de que buscou sempre o poder e a riqueza, mas sempre com trabalho árduo e sem jamais roubar de ninguém algo sobre o que não tinha direito. Mas isto não está prescrito por nossa lei, apenas pela lei de nosso vizinho, ele não deve ser julgado por leis alheias.
Juiz: Culpado! Não se deve ir contra a lei, não importa qual seja.

Juiz: Que venha o terceiro réu.
Terceiro réu: (Aparte) Ó, céus, vejo que não será fácil sair daqui inocente, esse Juiz não faz sentido algum.
Juiz: O senhor também é um bom cidadão, jamais comeu da carne que não devia comer, nem mesmo fez mal aos seus semelhantes e muito menos avarento foi. O que o traz aqui então, bom homem?
Advogado do terceiro réu: Bem, senhor, o meu cliente não fez nada de errado. O crime que dizem ter cometido, veja só, é o de amar demais, meu bom Juiz. Sim, exatamente isso que o senhor ouviu, meu cliente é acusado de amar demais. Isso porque no país de um desses outros não é permitido que se ame demais, e como o meu cliente desposou mais de uma moça, o que inclusive é algo bom, pois primeiramente não cometerá o adultério, e em segundo lugar ele cria uma família ainda maior e ajuda ainda mais mulheres ao mantê-las sob seu teto. Ele não é culpado, ele não deve ser julgado pelas leis desses outros homens.
Juiz: Culpado! Não se deve ir contra a lei, não importa qual seja.

Juiz: Bem, e você aí, garoto? Que foi que você fez?
Último réu: Acho que nada. Eu bebo, eu fumo um pouquinho também, mas nada de mais, sabe?
Juiz: Muito bem, todos temos nossos defeitos, não é? Mas e com o dinheiro, como anda?
Último réu: Ah, eu tenho o meu emprego mas eles não pagam muito, mas mesmo assim eu não fico muito endividado, aprendi bem a me organizar nisso com a minha mãe.
Juiz: Bom, e com as mulheres, como estamos?
Último réu: Eu namoro, o nome dela é Madalena, ela é maravilhosa e a gente se dá muito bem e eu nunca a traí, aliás nunca traí nenhuma garota com quem eu estivesse, (Sussurra) Embora eu conhecesse a Madalena desde a época em que eu tava com a minha última namorada e meio que tava de olho nela desde então, mas só de olho mesmo.
Juiz: Bem, quem é que nunca olhou pra alguma outra, não é? Mas e o seu advogado?
Último réu: Não tenho.
Juiz: Bom, mas por que está aqui, meu deus?
Último réu: Não faço a mínima ideia, faço coisas erradas aqui e acolá, mas nunca por maldade, não mesmo. A grande verdade é que eu achava que isso aqui era uma mentira, que o senhor nem mesmo existia e que eu não ia precisar ser julgado.
Juiz: Inocente.

Penitência.

Ele estava sentado no salão principal do convento, pensando, refletindo, orando. Os olhos pesavam, mas não conseguia fechá-los, a imagem dele lhe vinha à mente, e ele despertava, estava fraco, cansado, mas não conseguiria dormir em paz. 
Era tarde da noite, perdeu a noção de quanto tempo ficara lá, analisando sua vida, seu caminho, seus passos, não podia acreditar que foi tudo em vão.
Alguém batia à porta, batidas fortes, sofridas. 
Foi atender, se perguntava quem poderia ser, se perguntava tanta coisa. A grande porta de madeira se abriu, e lá estava ela, a causa de todos seus problemas, todas suas angústias. Seus cabelos negros totalmente desgrenhados, seus olhos cheios d'água. Ela pedia por ajuda, um lugar para passar a noite, e ele, um servo de Deus, não poderia deixá-la abandonada, não importando seus pecados, tudo que ela fizera.
Pediu que ela entrasse, que lhe explicasse o que aconteceu, por que estava assim.
Ela se atropelava nas palavras, chorava, se afogava em prantos, ele a abraçava, sentia aquela pele macia, sentia o perfume que vinha dela. Sabia que não devia, mas se sentia bem de tê-la aos seus braços, de ser a única saída que ela encontrou.
Ela se atropelava nas palavras, dizia que queria mudar, que não enganaria mais seu esposo, seu amor. Não enganaria mais a si mesma, não era isso que ela queria, queria ser feliz, queria conseguir colocar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Não queria se arrepender todas as noites das traições, não queria rezar o dia todo por perdão. 
Ela se atropelava nas palavras, lhe contou como falou ao marido de toda sua infidelidade, mas sabia que ele perdoaria, era um homem de bom coração, queria ser feliz com ela, sabia que a sinceridade seria maior que qualquer pecado, a sinceridade seria maior que qualquer erro. Erro. Errou. Errada. Ele mandou pegar suas coisas e sumir de sua frente, ir embora naquela mesma hora. Ela implorou por perdão, chorou, se ajoelhou, implorou por perdão, se mostrou arrependida, chorou e implorou por perdão. Mas ele estava decidido, traição era demais. E ela foi, sem outra saída, teve de sair. Não sabia para onde ir, os outros homens que entraram em sua vida não lhe acolheriam. Então pensou nele, no frei, que tanto lhe queria bem. E até lá ela foi, chorando, implorando por perdão.
Passou a noite lá, no quarto dele. Ele dormiu no salão principal, quase não dormiu, pensando nela, ela, em sua cama. Sua pele macia enrolada em seus lençóis. Não dormiu, pensando nela, ardendo.
Todos no convento lhe acolheram, lhe deram um quarto de hóspede e disseram que poderia ficar quanto tempo precisasse, e ela precisava disso, tempo, tempo, tempo.
Uma semana passou, ela continuava cansada, triste, chorosa. Mas estava feliz por ter sido tão recebida, pelo carinho e pelo afeto, pelo amor que todos tinham para com ela, principalmente do frei que tanto que lhe queria bem, que abriu as portas para ela.
E no sétimo dia, quando todos ceariam juntos, ele foi procurá-la, bateu à porta mas ela não atendia, tentou abrir, abriu. Suas roupas estavam jogadas na cama, ouvia o chuveiro, se aproximou da porta do banheiro, ela cantarolava, estava melhor. Ele ia esperar fora do quarto, mas pensou consigo mesmo que essa seria a chance que ele sempre quis, de vê-la, de saciar seu desejo, aproximou-se da porta, agachou-se.
Via seu corpo desnudo pela fechadura da porta, as curvas lascivas, como a desejava. Como a queria. Entendia o pecado, entendia como podiam fazer o errado, ele estava pecando, ele estava errado. Errado por pensar nela todas as noites. Por trair a igreja, por se trair. Ela dançava por trás da névoa da água quente, como se dançasse por trás de véus, como se dançasse para ele. E ele enlouquecia. Seu corpo fervia, abriu sua batina, e como estava errado, como pecava. Não se importava, toda sua fé estava quebrada, o ceticismo era cada vez mais duro, ele não sabia o que fazer, balançava de um lado para outro, tinha medo de pecar, mas pecava e como era bom, ele balançava de um lado para o outro, e sua duvida derreteu em suas mãos, os olhos fechados, agradecendo a deus. Era tão bom, o pecado, era tão bom, regojizou. Ela notou algo estranho, ele não.
Se cobriu e abriu a porta. Ele estava lá, pecaminoso, sujo. Ela estava lá, traída, violada. Saiu correndo, pedindo ajuda, o acusando. Ele errou, assumiu o erro, a culpa, o pecado.
Foi expulso. Recolheu suas coisas, foi embora.
Ela foi expulsa, não tinha mais lar, não tinha paz. Estava pagando por seu erro.
Ele foi expulso, foi para casa, finalmente em paz. Estava pagando por seu erro.