domingo, 18 de agosto de 2013

A Russa.

O olhar azul claro a penetrava, ela sofria para evitar, era uma tortura, estava em guerra com a vontade. Olhos azuis difíceis de invadir mas, quando dentro, não se quer mais sair, olhos de um mar gelado. Nadou, nadou, nadou naquele olhar, caiu em perdição maior ainda, a pele de neve avalanchou sobre ela, um abraço, apenas a natureza seguindo seu caminho, congelada por aquele abraço tão quente, não podia ir a lugar nenhum, entregou-se. As delicadas mãos tateavam aquele corpo-montes-urais, perdia-se em pela neve daquele corpo agora deserto. Aninhou-se naqueles cabelos dourados, riqueza maior que a de qualquer czar, sua riqueza agora, mais rica que qualquer outra pessoa jamais havia sido. Respirações sincronizadas, corações um só, e aquela boca vermelha comunista querendo ser uma só com a sua, iguais, uma só boca, uma só pessoa. A Russa foi o seu primeira amor.

A Russa.

''Licença, você saber que ônibus eu pegarr para Lapa?'' Ela perguntou. "Eu to indo pra lá também, a gente pode ir junto..." Ela era branca, muito branca, pálida. Ele achou legal, via muitas meninas estrangeiras, mas ela era diferente. 
"Onde ficar circo voadorr? Meu irmão me espera lá" Ele apontou a direção e se despediu, quando ela estendeu a mão, ele deu um beijo em seu rosto e um abraço. Ela também era alta, quase da altura dele. E era branca, tão branca que ficou rosa de corada pela intimidade dele. Quando ela ia embora disse "Fica com a gente, bebe cerveja" e ele ficou um pouco, beberam umas cervejas, riram muito. "Desculpa, eu preciso ir, marquei com uns amigos..." Ele disse, arrependido, sabia que podia ficar mais, mas ela era muito reservada, o irmão dela estava lá, não poderiam ficar juntos, preferiu ir. "Tudo bem, foi bem legal, legal." Ela respondeu, e deu-lhe um abraço, um beijo no rosto, e um guardanapo. "Se querer me ver..."

Ele chegou com o maior sorriso estampado na cara, na cara de bobo apaixonado.  "E aí, Martin! Viu um pássaro azul? Por que esse sorrisão?" Perguntou um dos amigos à mesa do bar. "Viu a Juliana Paes pelada, pra ficar com essa cara de bobo?" O outro falou, rindo. "Claro que não, idiotas, apenas conheci uma garota incrível, agora pouco." E lhes contou sobre a estrangeira. Quando terminou, seus olhos brilhavam. "De onde ela é, afinal?" Disse um dos amigos. "Não sei, brother, acho que da Rússia, esqueci de perguntar..." "Ih, cara, a coisa tá russa ein!" Zombou o segundo. "Que trocadilho horrível, cara, mas aí, abre logo o guardanapo, deixa a gente ver!" O primeiro falou, cutucando Martin. Ele abriu o guardanapo com calma, olhou, leu, olhou para os dois e exclamou "Esqueci de perguntar o nome dela né" Eles sem entender pegaram o guardanapo das mãos dele e leram "Ю́рьевна 8888-8888". "Acho que é russo", explicou Martin. "Liga pra ela, liga pra ela" Eles diziam em coro. Mas ele se recusava, "vai logo, cara, quero ver tu ler o nome dela." "Não, depois eu ligo... não quero ser tão fácil assim."

- Oi... aqui é o Martin, o cara que tu conheceu ontem em Copacabana... Isso, que te ajudou a ir pra Lapa, uhum, então, queria saber se, sei lá, a gente não podia ir pra outro lugar hoje, pra eu te apresentar o rio. Hoje? Beleza! Te encontro lá. Até mais. Ei- mais uma coisa... eu acabei derramando cerveja no guardanapo ontem... não consegui ler o teu nome... ahn? como? ah, tá, entendi... com dois y? tá bom então, depois nos vemos. Até mais.

"Cara, tem certeza que ela vem?", perguntou seu amigo. "Claro, ela deve estar perdida... ela não sabe andar muito bem pela cidade, sei lá." "Como é o nome dela? Você perguntou?" disse o outro. "Perguntei sim... é bem diferente... Ah é ela ali! A alta, loira, gata demais né? Vou lá chamá-la" "A coisa tá russa" Seus amigos disseram um para o outro. "Essa aqui é a garota que eu falei que conheci ontem. Esse aqui é o Carlos. E esse aqui é o Danilo - ele é engraçadinho, não deixa ele te zoar muito." "Martin achou teu nome lindo" Danilo falou ao cumprimentá-la. "Ah... obrrigado" Ela falou, desviando o olhar de Martin, corando novamente. Um pouco depois mais 2 amigas dela chegaram, e enquanto os amigos se conheciam, Martin foi fumar, e ela foi com ele. 
"Você não entender meu nome, né?" "Ele é meio complicado..." Ele disse, sem jeito. "Como você me chamar?" Ela perguntou, olhando com seus olhos azuis nos dele. "Russa... tu é a Russa.", "Você é o brrasileiro então" Ela respondeu rindo. "Não, brasileiro é sem graça... todos são brasileiros aqui." "Então algo diferrente em você... eu gosto da sua cor... na rússia todo ser branco, bem branco" "Quer me chamar de marrom?" "Marrom? Marrom é black em brasileiro?" "A gente fala português, e black é preto, mas é errado chamar de preto." Ela ficou chateada e bufou, sentou-se na calçada, calada. Ele se sentou ao seu lado, sorriu e disse "Pretinho... pretinho é carinhoso." "Eu gostar de você, prretinho." Ela disse, se aproximando dele. "Eu gosto de ti..." e se beijaram.

Passou-se a semana, e eles se viram todos os dias, no início foram ao Cristo Redentor, ao Pão de Açúcar, mas se cansaram, não queriam fazer nada, só ficar juntos, ela ia embora logo, e provavelmente não se veriam mais. Seus amigos ligavam para ele e ele dizia que não poderia sair, que estava com ela, e eles sempre respondiam "A coisa tá russa, ein.".  Ela estava aprendendo a falar português, aprendeu alguns palavrões primeiro, e passou para conjugação, algumas expressões, saía com amigas brasileiras, quando Martin estava no trabalho.

Martin foi se despedir dela no Galeão, mas ficou preso no trânsito, quando chegou lá, o vôo dela já tinha partido, ele se enfureceu, gritou, chorou, não acreditava que a perdeu, para sempre, sem um último abraço, sem um último beijo. Ele ficava repetindo para si mesmo "A coisa tá russa, a coisa tá russa, a coisa tá russa.' Com a cara colada no vidro do aeroporto, vendo os aviões decolarem e pousarem. "Não, a coisa estar prreta." ele virou e a viu lá "sérrio, meus pais me matar quando descobrrir essa loucurra, a coisa tá prreta, Martin."