sábado, 2 de fevereiro de 2013

A Locomotiva.

A locomotiva de aço
seguia,
invariavelmente,
os trilhos de aço, postos sob ela.

A locomotiva de aço
levava-nos,
inquestionavelmente,
sobre os trilhos de aço.

A cidade de pedra
servia-nos de paisagem
tentando, sem sucesso,
tocar nossos corações de pedra.

A locomotiva de aço
parava em doze estações,
todas semelhantes,
mas nunca iguais.
Por mais que passássemos por elas duas vezes.
Nunca, jamais.
Iguais.

As estações semelhantes:
alguns desciam, tantos outros subiam.
O céu sobre todos mudava,
e mesmo que fosse igual, não o era.

A locomotiva seguia, 
sempre, sempre, na mesma velocidade.
Apesar de termos a sensação
de que essa ou outra estação, passou rápido.

Nós seguíamos,
na locomotiva, para onde ela nos levasse,
trocamos de lugar, de vagão, 
mas todos seguem na locomotiva
até que cansem.

A locomotiva não tem destino,
tampouco nós,
ela segue em círculos,
e nós seguimos nela.

A locomotiva não parava, 
além dos poucos segundos,
ao alcançar uma estação.

Nós podíamos parar
ou seguir dentro dela,
mas quando se resolve sair,
dizem por aí que não se pode voltar.

A locomotiva de aço é quase uma entidade.

Por vezes esquecemos que estamos nela,
e queremos apressar ou retardar o trajeto,
entre uma estação e outra.
Mas a locomotiva de aço,
sabe seu próprio tempo.   
Seu próprio caminho.

A locomotiva.

Hoje a locomotiva descarrilhou,
Perdeu o caminho e colidiu com outra composição.
Felizmente nada tão grave ocorreu,
Apenas trezentos e um feridos
E apenas um morreu.
Mas que é que são trezentos e um dentro de onze milhões?
Ou, ainda mais, que é um dentro de onze milhões?

Aqui nós somos um mero número,
Trezentos e um em onze milhões,
Nada para todos, estatística para poucos,
Por pouco tempo, é claro,
Logo outra locomotiva descarrilha,
Um caminhão capota,
Um incêndio mata centenas.

Só levantamos todos os dias para fazer a locomotiva andar,
Cada dia mais rápida, cada dia pior.
A locomotiva não pode parar,
A locomotiva não pode dormir,
A locomotiva se orgulha disso,
Mas não deveria.

Antes da morte eu vivia em uma constante doença,
A locomotiva me destruía aos poucos.
A fumaça me enchia,
Os pulmões enegreciam,
Até chegar ao ponto em que não se diferenciava mais.
O que é a doença?
O que sou eu?

Meu pulmão dói, todos estão aborrecidos,
Olho em volta e todos se odeiam,
Mas não deveríamos odiar uns aos outros
A culpa não é nossa,
A culpa é de quem escolhemos
Para conduzir a locomotiva.
Pois há quem diga que nem sempre foi assim,
Que houve um tempo em que éramos felizes,
Dentro dos trens de passageiros
Podíamos andar pelos corredores sem medo,
Podíamos visitar a cabine vizinha,
E encontrar alguém,
Alguém mais amável,
Alguém mais seguro,
Alguém inocente,
Jovem e belo,
Alguém mais puro.

É claro, poderia ter sido pior,
Mas perdemos apenas um.
A locomotiva não hesita em atropelar um,
Se milhões ficarem bem com isso.
Mas esse um era trezentos e um, no fundo,
O um aceitaria ser parte de apenas trezentos e um,
O um não queria ser onze milhões, não.
Sonha-se em ser um grande escritor,
Se não der certo, crítico literário serve,
Pelo menos viajar com o amor de sua vida
Em uma carruagem ou coisa simples assim.
Mas não, que tal viajar sufocado em uma locomotiva
Onde não faz diferença e que só o vê como um número?
Os tempos estão difíceis para os sonhadores, é claro.

A locomotiva descarrilhou,
Atropelou-me.
Mas eu só queria poder ver as estrelas.